Poderes mágicos revelatórios da ayahuasca salvam “as crianças perdidas” na floresta colombiana. Filme documentário Netflix / Por Juarez Duarte Bomfim
Talvez por ignorância, muitos duvidam, até desdenham, dos poderes mágicos, transcendentais, revelatórios e prodigiosos da bebida ayahuasca.
Ayahuasca, o cipó dos espíritos
A ayahuasca é utilizada desde tempos imemoriais pelas populações indígenas da Amazônia Ocidental. Estima-se que 70 etnias espalhadas por 9 países amazônicos fazem uso desta bebida misteriosa, para diversas finalidades.
Como são muitas as comunidades indígenas que fazem uso da ayahuasca, múltiplas também são suas utilizações. A utilizam em rituais de cura, como uma “medicina”; para comunicação com o mundo invisível, onde vivem os seus ancestrais; como oráculo, pelos dons advinhatórios da bebida; para a caça, quando as suas qualidades premonitórias orientam os caçadores onde encontrar o alimento para a aldeia; para a guerra, dando coragem aos valorosos guerreiros na defesa de suas famílias e comunidades; e seus poderes mágicos podem ser manipulados por feiticeiros, movendo energias benéficas ou maléficas – estas últimas contra os inimigos.
O nome generalizado da bebida tem origem na língua quéchua, e significa “cipó dos mortos”, “cipó dos espíritos”. Isto porque a beberagem proporciona o contato entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Todavia, cada etnia dá um nome à bebida, na sua língua natal.
Dissemina-se atualmente a expressão “medicina” da floresta, quando se refere a ayahuasca, devido ao seu potencial curativo de males físicos, mentais e emocionais. Cientistas do mundo inteiro pesquisam essas possíveis propriedades.
A bebida ayahuasca é resultado da decocção de duas plantas: um cipó é uma folha, que nascem em locais diferentes da floresta. A rica farmacopeia indígena, misteriosamente conseguiu unir um determinado tipo de cipó com uma determinada folha, entre milhares de espécimes da flora amazônica.
Algumas etnias indígenas têm seus mitos fundantes, mitos de criação, relacionados ao uso da ayahuasca. Isto a sacraliza no imaginário daquelas comunidades.
Apesar da diversidade de fins para a qual a ayahuasca é utilizada – que está relacionado ao grande número de etnias indígenas que dela fazem uso – parece haver um traço comum a todas elas: um deles é do uso restrito da bebida aos curandeiros (pajés) da aldeia e alguns poucos grupos (caçadores, guerreiros…), nunca por mulheres ou crianças.
O uso coletivo da bebida ayahuasca será inaugurado no Brasil, pelo CRF – Círculo de Regeneração e Fé, instituição filosófica-religiosa da qual o jovem Irineu Serra fazia parte, em Brasileia, Acre. Depois, quando funda a sua organização esotérica, o Tatwa Luz Divina, aquele líder comunitário que viria a ser chamado de Mestre Irineu, batiza a bebida com o nome de Daime – ou Santo Daime. Ocorre então a cristianização da ayahuasca, e seu uso passa a ser para ações benéficas e regidas pela ética de amor a Deus e amor ao próximo.
Muito poderia ser dito sobre o uso religioso da ayahuasca no Brasil, que é uma característica única, original deste país. Entretanto, não é o propósito desta comunicação se alongar no tema.
(Sobre o assunto, Juarez Duarte Bomfim escreveu dezenas de artigos. Leiam no jornalgrandebahia.com.Br).
São 3 os fatores que operam na experiência com a bebida: 1. por ser uma substância psicoativa, alteradora da consciência, o efeito no organismo humano difere de individuo para individuo; 2. o set (a atitude do individuo no momento do consumo, atentando também para a sua estrutura de personalidade) e 3. o setting (a influência do ambiente físico e social no qual ocorre o uso).
Devido a este 3º fator – o ambiente físico e social para a experiência – se enfatiza a importância do uso da ayahuasca ser feito de maneira responsável, sempre ritualizado e cerimonioso. Por não haver controle sobre os 3 fatores elencados acima, os efeitos desejáveis não são garantidos.
Como a ayahuasca salvou as crianças perdidas na selva colombiana
Talvez por ignorância, muitos duvidam, até desdenham, dos poderes mágicos, transcendentais e revelatórios da bebida ayahuasca.
E mesmo após a narrativa desses acontecimentos, ainda continuarão céticos quanto aos seus prodígios. Mas eu conto o caso como o caso foi.
O filme documentário “As Crianças Perdidas”, na Netflix, narra um caso recente, de repercussão mundial, que foi a queda de um pequeno avião na floresta amazônica colombiana, com 3 adultos e 4 crianças à bordo.
O piloto, mais um passageiro adulto e a mãe das crianças morreram na queda. Já as crianças sobreviveram. Liderados pela irmã mais velha, Lesly Mucutuy, de 13 anos, Soleiny Mucutuy, 9, Tien Mucutuy, 4, e a bebê Cristin Mucutuy, de 11 meses continuaram vivos, comendo a farinha encontrada nos despojos do avião, peixes e frutas coletadas na floresta.
A garota indígena, Lesly Mucutuy, da etnia Muina Murui (Uitoto), havia aprendido com a sua mãe como sobreviver no seu habitat natural, que é a selva – infestada de mosquitos e animais selvagens.
Foi assim: no 1º de maio de 2023 a imprensa colombiana noticiou o acidente. Quando o exército chegou ao local, só encontrou os destroços da aeronave e os corpos dos adultos. Começou então a busca pelas crianças desaparecidas. cerca de 120 policiais uniformizados e 70 indígenas integraram a “Operação Esperança”, de resgate.
Os primeiros 100 minutos do filme documentário narram a busca infrutífera dessa numerosa equipe, por 39 dias. Nos 32 minutos finais, no 40° dia de procura pelas 4 crianças perdidas na floresta amazônica, o Exército encerra as buscas e conserva um pequeno grupo de indígenas Muina Murui (Uitoto) no local, também em preparativos de retirada.
Porém, os indígenas decidem fazer a última tentativa: perguntar ao Yagé (Ayahuasca) o paradeiro das crianças. O cacique, líder do grupo, afirma:
– O yagé vai indicar para a gente aonde estão as crianças.
A primeira tentativa foi com o pai das crianças, que bebeu ritualisticamente o Yajé. Não funcionou. Os indígenas acreditam que “a selva rejeitou Manuel”. Pediram inclusive para ele se retirar dali.
O cacique falou então para o ancião do grupo, Dom Rubio.
– Ainda há uma dose de Yajé. É sua vez de tomar.
Na noite seguinte, após a ‘toma’ (ingestão) da bebida amarga, o xamã putamayo se transforma em um puma (onça pintada) e circula pela densa mata. Em miração, encontra as 4 crianças, vivas. Ao voltar do transe místico, o ancião afirma:
– Vamos encontrar as 4 crianças amanhã, às 03 horas da tarde, seguindo a Noroeste.
No dia seguinte a busca é retomada. E, finalmente, as crianças são encontradas, vivas. O menor deles era um bebê de 11 meses de idade.
Esses 30 minutos finais do filme são de pura emoção. Para nós, país e avós de bebês, é um alento, uma alegria. A celebração da vida através da bebida sagrada da Rainha da Floresta.
Salve Deus!
As Crianças Perdidas (Clipe) / Trailer em Português / Netflix
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Juarez Duarte Bomfim