Sem dinheiro não existe amor | Por Luiz Holanda
Em um dos versos da canção de José Ribeiro, intitulada “Sem dinheiro Não existe amor”, o cantor diz que vai procurar a mulher amada mais uma vez, e que, se a encontrar, vai cobrar tudo o que ela lhe fez, pois ela sorriu da sua dor (dele), e que ele sabia que sem dinheiro não existe amor. Mal comparando, a história do ex-governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, e de sua ex-esposa, Adriana Ancelmo, tem muita semelhança com esses versos. Eles viviam juntos, mas estavam legalmente separados desde 2011, não por causa da Lava Jato, mas devido à derrota de Adriana numa disputa com Regis Fichtner, então chefe da Casa Civil do governador. Adriana pretendia indicar para uma vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça (STJ) seu ex-marido, Sérgio Coelho, mas Cabral bancou a indicação de um cunhado de Fichtner. Essa disputa abalou a união do casal e provocou uma briga entre a ex-primeira dama do estado e o ex-chefe da Casa Civil.
Adriana conheceu Cabral num elevador da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Ambos eram casados, mas se separaram para ficar juntos em 2002. O casal tem dois filhos, mas, segundo se comenta, quem sempre dava as ordens em casa era Adriana, chamada por Cabral de “Riqueza”. A ex-primeira-dama era conhecida por seu temperamento forte e classificada por alguns como autoritária. Cabral a adorava. Chegou a abrilhantá-la com um anel de R$ 800 mil, comprado, segundo importante revista, não com o dinheiro do seu próprio bolso, mas sim da corrupção. Preso e condenado a 282 anos de reclusão por roubalheira, Cabral sentiu o peso do encarceramento: fez uma delação premiada que foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na qual afirmou ao juiz Marcelo Bretas que sua mulher, Adriana, sabia da existência do seu caixa paralelo, e que dele usufruiu o tempo todo, utilizando-se do seu escritório de advocacia para lavar o dinheiro roubado.
Adriana foi envolvida no processo porque os procuradores da Lava Jato carioca desconfiavam que Cabral omitiu os crimes cometidos pela ex-primeira-dama mesmo depois de confessar seus delitos. Ele foi ouvido pelo juiz Marcelo Bretas sobre a acusação de ter lavado R$ 3,1 milhões de propina obtida junto a fornecedores do estado por meio da rede de restaurantes de comida japonesa Manekineko e o escritório da ex-primeira-dama. Em seu depoimento Cabral disse que foi Adriana quem lhe apresentou a rede de restaurantes como uma forma de lavar dinheiro: “Confirmo a emissão de notas fiscais do escritório da minha mulher para atender uma demanda dessa empresa, Manekineko, para lavar recursos ilegais Foi trazido o pleito pela Adriana, e combinei entrega de dinheiro na casa de Thiago Aragão [sócio da ex-primeira-dama]”.
De acordo com o Ministério Público Federal, o dinheiro obtido como suborno do ex-governador era usado para remunerar funcionários dos restaurantes. Em contrapartida, a Manekineko fazia transações bancárias de mesmo valor para o escritório de Adriana, que, por sua vez, emitia notas fiscais para simular serviços advocatícios não prestados à empresa. Com isso, Cabral recebia o dinheiro e a empresa, por sua vez, pagava a seus funcionários por fora, o que reduzia o custo de encargos e eventuais ações trabalhistas futuras.
Adriana era conhecida pela gastança. Após Cabral deixar o governo, em abril de 2014, ela foi às compras. A imprensa confirma que por dois anos consecutivos ela gastou a bagatela de R$ 528,8 mil com vestidos, reforma do apartamento do casal no Leblon, além de adquirir mini-buggies para os filhos passearem na casa de Mangaratiba, na região sul do Estado. Todos os pagamentos foram feitos em dinheiro. Os procuradores disseram que notas fiscais e documentos que constam do processo da operação Calicute mostraram que Adriana utilizava duas estratégias para burlar a fiscalização do Banco Central: pagava à vista ou optava por parcelar as compras sempre com depósitos de, no máximo, R$ 9.900, pois o Banco Central comunica ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) todas as movimentações financeiras acima de R$ 10 mil.
O resultado final desse imbróglio foi a separação do casal, bem como o pedido feito por ela para que o apartamento da Aristides Espínola, onde moravam e que estava alugado, voltasse para sua propriedade. O dinheiro do aluguel era dividido, metade para ela e metade depositada em favor da 7ª Vara Criminal Federal, por decisão do juiz. Adriana pretendia morar no apartamento com o novo namorado. Considerando o provérbio popular que quando o dinheiro acaba o amor deixa de ser eterno, o autor da canção acertou em cheio ao afirmar que “Sem dinheiro não existe amor”.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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